30 de novembro de 2011

orphans cry blood, I.

― Aqui está, senhorita.
― Obrigada, Gordon.
ㅤㅤFechou os pálidos dedos ao redor do copo e levou-o à boca entreaberta. Lábios secos, machucados. A bebida queimava o caminho que fazia em seu organismo, e quebrava a onda de frio pela qual seu corpo pálido estava tomado.
ㅤㅤSorrateiramente, a chuva chegou. Ficava mais forte a cada instante.
ㅤㅤEla já estava começando a ficar bêbada.
― I want to know... Have you ever seen the rain...? ― sussurrava, para si mesma, enquanto olhava curiosa para o copo vazio. ― ...Coming down... on a cold mistake...
ㅤㅤA letra fora mudada propositalmente. O cigarro fora para os lábios.
― Poderia me dar mais uma dose dupla, Gordon?
ㅤㅤEle hesitou. Claro.
― Não acha que a senhorita já bebeu o suficiente, Mel?
ㅤㅤTragou o cigarro com calma, soltando a fumaça pelas narinas. Havia um piercing em seu septo.
― Se disser isso a todos, vai falir.
― Não digo a todos.
― Então não diga a mim.
ㅤㅤCom um aperto no peito, Gordon pegou a garrafa de conhaque e serviu a dose dupla de Mel. Seu cabelo era ralo, fraco e possuía um tom triste negro. Seu nariz era levemente curvado para baixo e ele possuía olhos da mesma cor do nome da garota: Mel.
ㅤㅤEsvaziou o copo de uma vez, deixou uma nota sobre o balcão.
― Boa noite, Gordon.
ㅤㅤO cigarro tremia entre os dedos, enquanto ela cambaleava em direção à porta. Gordon pensou em impedí-la, oferecer novamente o quarto dos fundos do bar para que ela dormisse, porém, ele não podia fazer aquilo. Iria acomodá-la. Acostumá-la. Mimá-la.
ㅤㅤA roupa fina e os longos fios de cabelo tornaram-se pesados e grudavam ao corpo. O cigarro continuava entre os dedos trêmulos, enquanto os olhos fechados pensavam estar enxergando o caminho de volta.
ㅤㅤDeitou-se sobre a sarjeta.
ㅤㅤO vômito fora lavado pela chuva, junto com o cigarro. Ela passou a noite ali, em posição fetal.
ㅤㅤAs lágrimas de Gordon escorriam por seu rosto enquanto ele olhava para ela ali, ao chão, completamente maltratada pela vida. Aconchegou-a em seu colo.
― Vamos tomar um banho e dormir em um lugar quente, Mel.
― Por que faz isso por mim?
― Porque é minha culpa.
― Eu poderia beber em qualquer boteco.
― É.
ㅤㅤEle apenas acatou. Não era daquilo que falava.
ㅤㅤMel possui 18 anos. Fora abandonada pela mãe aos 14 anos. Sua mãe não tinha carinho pela filha e não queria perder seu tempo com ela. Só a mantinha por perto por causa de seu pai, que a deixou aos 9 anos.
― Para onde estava indo?
― Eu não sei.
ㅤㅤSeu nome era Richard.
― Você tinha algum lugar para ir?
― ...Não.
ㅤㅤUm ano depois do abandono, o cartório mudou seu nome para Gordon.
― Estou com frio... ― adormeceu.
― Eu vou cuidar de você, filha.

21 de novembro de 2011

Reminiscência acizentada.

ㅤㅤHá alguns anos, conheci um homem. Ou ao menos acredito que o conheci.
ㅤㅤEle sorria, conversava, articulava. Era muito interessante e dificilmente não se notava isso. Porém, mesmo o tendo visto há tão pouco, notei uma coisa: Apesar de todos aqueles sorrisos e simpatias das pessoas ao seu redor, ele nunca olhava nos olhos de ninguém.
ㅤㅤUm cumprimento, uma gentileza e uma conversa nunca foram o suficiente para ele. Muito pelo contrário, ele preferia esperar durante anos, conhecer aos poucos, realmente conhecer. Quando, então, ele acreditava ser o momento, apenas sorria; e invadia seus olhos, sua mente, seu todo.
ㅤㅤO céu já estava escuro quando nos sentamos à mesa do restaurante, naquele fim de sexta-feira. Pedimos pratos quentes enquanto ateávamos os Marlboros; o meu, vermelho; o dele, light. Não trocamos palavras enquanto a refeição não chegara. Apenas tragos.
ㅤㅤCom uma leve música ao fundo, brindamos o vinho, comemos e enfim conversamos um pouco. Na verdade, conversamos bastante. Tal conversa possuía tamanha fluidez que simplesmente não reparei como o tempo correu para longe de nós tão rápido. A despedida seria ao final dos cigarros. O último cigarro é sempre o mais amargo.
ㅤㅤUm abraço, quente como o primeiro e frio como o último, estigmatizou aquela noite. Por frações de segundo, imagino ter sentido sua invasão.
ㅤㅤO restante da noite se arrastou lentamente, amontoando pontas laranja no cinzeiro.
ㅤㅤEssa noite se passou há alguns anos. Apesar dos anos, acredito que o conheci.

ㅤㅤEram belos olhos castanhos.