17 de dezembro de 2011

orphans cry blood, III.

ㅤㅤO whisky estava mais ou menos pela metade quando Mel chegou em frente à casa em que sua mãe estava morando atualmente. Era um bairro tão vagabundo quanto o prédio; sujo, podre, enojante. Um tipo de beco, aparentemente. Na outra calçada havia uma caixa escondida. Deixou o que restava do whisky ali, e recolheu cuidadosamente um taco de baseball metálico, segurando-o com um pano por cima. Acendeu mais um cigarro e se encaminhou até a porta.
ㅤㅤMelany agia de forma completamente normal. Contudo, podia-se notar pelo olhar que não estava normal.
ㅤㅤEncostou a orelha esquerda na porta, a fim de ouvir algum ruído e saber se a visita não seria à toa. Ouviu os gemidos da prostituta que ela conhecia muito bem, a Sarah. O sangue fervia, aquecido pelo whisky.
ㅤㅤDesencostou da porta e golpeou a maçaneta com o taco. Estourou. Chutou a porta com a sola dos pés para entrar.
ㅤㅤOs gemidos haviam parado. Provavelmente agora o casalzinho nojento estava procurando a origem do barulho e uma forma de se proteger.
ㅤㅤMel simplesmente caminhava pela casa calmamente, procurando de cômodo em cômodo pelos dois.
ㅤㅤFinalmente, viu-os se aproximarem no escuro, apavorados e acuados. Até que, então, Sarah identificou a invasora: sua própria filha.
ㅤㅤCom um suspiro completamente falso, parou de se esconder e começou a tratar Mel como se nada tivesse acontecido, caminhando em sua direção.
― Mas que susto que você nos deu, Mel. ― Melany continuou caminhando ― Minha filha queri...
ㅤㅤSangue.
ㅤㅤMelany golpeou a lateral do rosto de Sarah antes que ela terminasse a frase. O chão de madeira estremeceu com o peso do corpo caindo.
ㅤㅤSarah colocou instintivamente as mãos no rosto, para se proteger. Melany posicionou-se sobre ela, sem dizer uma palavra. Continuou a golpear sua face, quebrando os dedos que estavam na frente. Em segundos, aquilo virou um pequeno amontoado de cabelos, sangue, ossos e cérebro.
ㅤㅤO homem que estava transando com sua mãe estava estático. Correu quando Melany começou a caminhar em sua direção, mas o desespero logo fez com que se atrapalhasse, o que deu à Mel a oportunidade de golpeá-lo de raspão. Ele caiu, e teve o mesmo fim de Sarah.
ㅤㅤSoltou o bastão, acendeu um cigarro e saiu da casa. Ouviu sirenes da polícia ― infelizmente, sua mãe e o namorado eram bem barulhentos -, mas isso não fez com que se apressasse. Apenas pegou a garrafa de whisky onde havia deixado. Antes de sair do quarteirão, as viaturas chegaram.

5 de dezembro de 2011

orphans cry blood, II.

ㅤㅤMel já havia ido embora quando Gordon abriu o bar. Levou uma garrafa barata de vodka e deixou uma nota sobre o balcão, onde podia-se ler "obrigada" escrito à lápis. Sentiu outra dor no peito.
ㅤㅤEstranhamente, a garota não apareceu mais, por um período de quatro dias. Fora o suficiente para preocupar totalmente Gordon, sabendo que poderia ter acontecido algo grave com ela. Estava sentado no balcão, em uma noite de pouco movimento. Um neurologista e cliente, dr. Khrushchev, que estava próximo, notou sua preocupação. Tomou um gole da sua bebida e questionou.
― Algo lhe aflige, Gordon?
ㅤㅤGordon tentou se recompor rapidamente, levantando-se.
― Nada demais, doutor... ― olhou para o cliente, que ainda esperava uma resposta mais concreta. ― Uma garota costumava vir aqui quase todos os dias, e faz algum tempo que ela não aparece. Apenas pensei que talvez pudesse ter acontecido algo com ela. ― Tentando fugir dos comentários que viriam, deu os primeiros passos para dentro do bar.
― ...Garota? Não seria aquela jovem, a Melany?
ㅤㅤGordon voltou-se rapidamente.
― Isso, a Mel! Você a viu recentemente, doutor?
ㅤㅤKhrushchev tomou o último gole, finalizando a dose.
― Sim, Gordon, eu a vi. Ela está internada no hospital em que eu trabalho, sofreu um acidente de carro. Parece ter sido criminoso.
ㅤㅤA pressão e o corpo de Gordon caíram até o limite do chão sujo do bar. O doutor medicou Gordon.
ㅤㅤLogo eles chegaram ao hospital onde Melany estava internada. Gordon esperava ansioso pelo início do horário de visita, pensativo. Porém, uma figura que ele não via há anos interrompeu sua linha de raciocínio. Uma mulher degenerada, egocêntrica e vazia, que devia ter quase 40 anos agora. Gordon se lembrou de todos os anos em que transou com ela sem libido, da igreja decorada, das discussões diárias e do choro de Mel, a única coisa boa de que se lembrava dessa época. O nome daquela vadia era Sarah.
ㅤㅤGordon avançou sobre ela como um animal.
― O que diabos você está fazendo aqui, sua cachorra?!
Ela não respondeu.
― Diga alguma coisa, e rápido, antes que eu te entregue para a segurança.
ㅤㅤA mulher continuava quieta. Olhava para o lado, apaticamente.
ㅤㅤSoltou-a. Respirou fundo e voltou a sentar-se. Ela não estava mais lá.
ㅤㅤAlgumas horas depois, ele segurava as gélidas mãos machucadas e magras de Mel, carinhosamente. Ela estava com alguns grandes curativos ao redor da cabeça, mais pálida do que o comum, sem o piercing e com muitos ferimentos superficiais no rosto. Seus lábios continuavam rachados. Mesmo assim, ela estava linda.
― Como isso aconteceu, Mel...?
― Assim que eu sair daqui, você descobrirá, Gordon... E você, como me achou?
― Khrushchev me disse que estava aqui.
― Maldito. E o sigilo médico, ele não respeita?
ㅤㅤGordon esboçou um sorriso. Mel não muda nunca.
ㅤㅤO silêncio reinou após curtas falas casuais. Mel dormiu. Teria alta em 5 dias.
ㅤㅤEla não recebeu mais visitas de seu pai durante o período de internação.
ㅤㅤMelany Winckler recebeu alta do hospital no dia 19 de agosto, pela manhã. Ainda estava com vários curativos espalhados pelo corpo, porém, em sua maioria, nada relevante. No início da noite, ela apareceu no bar. Gordon moldou um sorriso nos lábios ao vê-la, principalmente por estar bem.
― Fico feliz com sua alta, Mel. Tem de se cuidar bem e... ― fora interrompido.
― Eu também, Gordon. Por favor, me dê uma garrafa do whisky mais barato que tiver.
ㅤㅤUma pequena pausa.
― Uma garrafa?
― Isso mesmo que ouviu.
ㅤㅤCom um suspiro, pegou a garrafa. A nota já estava a postos sobre o balcão. Mel nunca pegava o troco.
― E então, como aconteceu o acidente?
― Não se preocupe com isso, Gordon. Hoje eu vou resolver isso. Você vai ver.
― Como assim, "resolver", Mel? Vai se vingar?!
― Claro.
― Mas por quê?
― Porque eu não permito que a minha própria mãe tente me matar e saia impune.
ㅤㅤGordon ficou paralisado, novamente. Sua pressão estava diminuindo, mas lentamente.
― Nos vemos depois, Gordon.
ㅤㅤMelany saiu do bar antes que ele pudesse fazer ou dizer qualquer coisa, com a garrafa nas mãos e o cigarro nos lábios.