24 de abril de 2011

Libido.

ㅤㅤOs dedos pálidos e trêmulos tentavam acender o isqueiro, quase sem sucesso. O cigarro também tremia entre os finos lábios ressecados, mal conseguia ateá-lo. Quando este começou a queimar, tragou-o lentamente e com força, soltando a fumaça para cima e relaxando todo seu corpo por um instante, como se tentasse sair daquele frenesi incontrolável em que se encontrava. Enquanto caminhava, seu olhar estava voltado para o chão, e assim permaneceu em todo seu caminho para casa.
ㅤㅤA noite havia acabado de começar. O céu estava escuro e aquele minúsculo lugar fedia. Ficou ainda mais nervosa quando derrubou um pouco de cocaína de sobre o cartão em suas mãos, devido sua tremura. Mordeu a própria língua até sangrar e só parou de tremer quando aquela dor dominou sua boca por alguns segundos. Enrolou uma nota e aspirou aquela cápsula toda pra dentro de si, recostando-se em seguida ao sofá duro. Deslizava sua língua lentamente pelo cartão, sentindo aquele gosto amargo adormecê-la com o passar dos longos minutos. Não mais tremia, seus olhos não mais pesavam, contudo ainda sentia-se nervosa.
ㅤㅤApoiou os cotovelos nos joelhos e suas mãos sustentaram sua cabeça. Os olhos estavam fechados e tentava apenas se concentrar na boa sensação que envolvia seu corpo. Entretanto, ao passar as mãos pela testa e por entre os fios de cabelo, sentiu-os acompanhar seus dedos e arregalou os olhos opacos, tremendo mais do que antes. Levou as mãos à frente do rosto e viu uma grande quantidade de fios negros deslizarem por entre seus dedos, caindo vagarosamente ao chão. Caindo na mesma velocidade que suas lágrimas, talvez.
ㅤㅤPuxou com dificuldade um pequeno frasco de dentro de sua bolsa surrada. Abriu os lábios e jogou as pequenas pílulas para dentro, sendo que várias caíram ao chão. Um gole da garrafa de vodka barata que estava ao alcance facilitou a ingestão, logo em seguida se fragmentando no chão. Os minutos transcorriam e corriam, levando sua paciência e sua vida. Cada tremor forte que lhe envolvia lhe dava certeza de que os calmantes não faziam efeito. Novamente puxou algo da bolsa, um pequeno vidro ainda cheio e lacrado. Com algum esforço o abriu e fez o mesmo que fez com os calmantes. Vicodin.
ㅤㅤDespertou de um breve sono agitado ao som dos ponteiros pesados do relógio. Sentia-se, aparentemente, muito melhor. Ligou a televisão antiga com o controle remoto antigo. Ouviu gemidos forçados, xingos. Um daqueles canais escrotos e pagos de pornografia. Indiferente, fixou o olhar vazio ali.
ㅤㅤMuitas horas haviam se passado. Já era madrugada. O som do relógio continuava se misturando com os gemidos da televisão e aquela garota, ou o que restou dela, estava estagnada na mesma posição. Indiferente, indolente. Então, com lentos e talvez confusos movimentos, sua mão começou a demonstrar vida. A ponta dos dedos tocava o interior de sua coxa, acariciando a própria perna e subindo sua camiseta, deixando a calcinha à mostra. Subia, com movimentos muito lentos, até chegar ao clitóris, onde começou a mover os dedos mecanicamente, sem desejo. Continuou se tocando por longos minutos, com o mesmo olhar seco para a televisão. Aquilo não a excitava o suficiente.
ㅤㅤOs olhos viram sua arma junto dos cacos da garrafa. Sorriu, como há tempos não sorria. Pensou que talvez aquele pequeno objeto pudesse lhe dar o prazer que ninguém conseguiu lhe dar; que aquele objeto pudesse lhe satisfazer sua vontade que, diferentemente de seus desejos, não dependia de ninguém. Pegou a arma e, como se sentisse confusa ao tê-las em mãos, hesitou. Calmamente colocou-a em sua boca. O contato de seus lábios com o metal lhe causou um arrepio, uma sensação nova, um novo prazer. Continuou se tocando, mas, desta vez, sentindo prazer.
ㅤㅤNa televisão, sexo oral. Inocentemente, imitava as ações, deslizando os lábios e a língua no cano da arma. A mão que a sustentava forçava-a contra sua boca, roçando e chegando até a ferir sua pele. Sua respiração foi ficando pesada, os movimentos dos dedos foram mudando de ritmo e ganhando força, chegando a penetrar sua vagina. Tanto ela quanto o ator da TV chegavam perto de seus falsos ápices, e seu indicador tremia sobre o gatilho. Deslizava os dedos facilmente com seu líquido, gemia enquanto forçava mais a arma em sua boca e, não mais conseguindo se segurar, gozou e disparou.
ㅤㅤO sangue, os fios e os cacos tornaram-se um só, dispersados pelo chão. Surpreendeu-se ao notar que mesmo estando sem vida, a morte corporal trazia-lhe extrema excitação e ansiedade. Os ponteiros do relógio indubitavelmente dariam infinitas voltas e, mesmo depois de cansarem de andar, os gemidos e gritos e xingos continuariam ecoando e se misturando ao seu som, de forma nojenta e repugnante, pois nunca chegariam a um ápice tão verdadeiro quanto o dela.

3 de abril de 2011

Superficial.

ㅤㅤAcompanhei, talvez sem perceber, os ponteiros do antigo relógio completarem várias e várias voltas em seu percurso. Dormi durante muitas horas, dormi demasiadamente, dormi até infelizmente não conseguir mais dormir. Minha mente estava pesada e o corpo descansado, contudo não sentia vontade alguma de levantar-me dali. Fechei novamente os olhos e virei meu corpo sobre o surrado colchão, me escondi no frio e rasgado lençol e tentei adormecer novamente.
ㅤㅤO céu estava cinza e sem sol, nem frio, nem calor. Tempo neutro. Vida neutra. “Vida” neutra. Os poucos feixes de luz que se atreviam a entrar pelos buracos na janela de madeira atingiam minha face sem queimar, como se eu simplesmente não estivesse ali. Adormeci novamente.
ㅤㅤEstava sobre o sofá quando acordei. Os zumbidos das moscas me irritavam, junto daquele cheiro podre e aquelas risadas de sempre. A poeira ergueu-se devido meu percurso até a geladeira, enferrujada e praticamente vazia, que eu costumava abrir sem motivo algum. Olhei ao redor naquele cômodo único e senti minha cabeça pesar mais ainda.
ㅤㅤLogo estava caminhando pelas ruas com a garrafa de conhaque nas mãos e o cigarro entre os lábios, alternando entre eles. Em poucos minutos cheguei ao meu destino e abri a porta sem cerimônias, adentrando na casa. Diferentemente de mim, Luke tinha uma dessas casas que o povo costuma achar bonita, presente dos pais. Eu sinceramente nunca me importei com isso, e acho ridículo ter uma casa com inúmeros cômodos que você nunca nem vai usar, ou quaisquer dessas merdas superficiais. No fundo eu nem sabia por qual motivo estava ali, só sei que o abracei e permaneci assim por um bom tempo, mesmo sendo aquilo completamente indiferente para mim.
ㅤㅤQuando me dei conta, estava em seu quarto, sobre sua cama, sob seu corpo. Os furos na memória estavam mais frequentes. Estranhamente, não sentia vontade alguma de retirar minhas roupas e ficar nua, não sentia vontade de me masturbar ou ser masturbada, não sentia vontade de beijar e não sentia vontade de fazer sexo. Não sentia vontade de comer, de digerir, de acordar. Ouvia as baixas risadas ao fundo enquanto aquele cheiro mefítico que me acompanhava inundava meu pulmão e eu voltava a contar as moscas que me sobrevoavam. Olhava para Luke e sentia exatamente nada. Apaticamente me toquei e então pude perceber, finalmente, que estou gelada há muito, muito tempo. As gargalhadas apenas aumentavam enquanto meu pescoço era espremido e sufocado pelas mãos imaginárias e minha única vontade era de fechar os olhos e acordar daqui alguns muitos anos, bem longe disso tudo.