3 de abril de 2011

Superficial.

ㅤㅤAcompanhei, talvez sem perceber, os ponteiros do antigo relógio completarem várias e várias voltas em seu percurso. Dormi durante muitas horas, dormi demasiadamente, dormi até infelizmente não conseguir mais dormir. Minha mente estava pesada e o corpo descansado, contudo não sentia vontade alguma de levantar-me dali. Fechei novamente os olhos e virei meu corpo sobre o surrado colchão, me escondi no frio e rasgado lençol e tentei adormecer novamente.
ㅤㅤO céu estava cinza e sem sol, nem frio, nem calor. Tempo neutro. Vida neutra. “Vida” neutra. Os poucos feixes de luz que se atreviam a entrar pelos buracos na janela de madeira atingiam minha face sem queimar, como se eu simplesmente não estivesse ali. Adormeci novamente.
ㅤㅤEstava sobre o sofá quando acordei. Os zumbidos das moscas me irritavam, junto daquele cheiro podre e aquelas risadas de sempre. A poeira ergueu-se devido meu percurso até a geladeira, enferrujada e praticamente vazia, que eu costumava abrir sem motivo algum. Olhei ao redor naquele cômodo único e senti minha cabeça pesar mais ainda.
ㅤㅤLogo estava caminhando pelas ruas com a garrafa de conhaque nas mãos e o cigarro entre os lábios, alternando entre eles. Em poucos minutos cheguei ao meu destino e abri a porta sem cerimônias, adentrando na casa. Diferentemente de mim, Luke tinha uma dessas casas que o povo costuma achar bonita, presente dos pais. Eu sinceramente nunca me importei com isso, e acho ridículo ter uma casa com inúmeros cômodos que você nunca nem vai usar, ou quaisquer dessas merdas superficiais. No fundo eu nem sabia por qual motivo estava ali, só sei que o abracei e permaneci assim por um bom tempo, mesmo sendo aquilo completamente indiferente para mim.
ㅤㅤQuando me dei conta, estava em seu quarto, sobre sua cama, sob seu corpo. Os furos na memória estavam mais frequentes. Estranhamente, não sentia vontade alguma de retirar minhas roupas e ficar nua, não sentia vontade de me masturbar ou ser masturbada, não sentia vontade de beijar e não sentia vontade de fazer sexo. Não sentia vontade de comer, de digerir, de acordar. Ouvia as baixas risadas ao fundo enquanto aquele cheiro mefítico que me acompanhava inundava meu pulmão e eu voltava a contar as moscas que me sobrevoavam. Olhava para Luke e sentia exatamente nada. Apaticamente me toquei e então pude perceber, finalmente, que estou gelada há muito, muito tempo. As gargalhadas apenas aumentavam enquanto meu pescoço era espremido e sufocado pelas mãos imaginárias e minha única vontade era de fechar os olhos e acordar daqui alguns muitos anos, bem longe disso tudo.

Um comentário:

  1. Riqueza de detalhes impressionante, dá pra imaginar as cenas perfeitamente...

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